Cabo das Tormentas por Aurelio Mulim

14 fevereiro 2021 / By Admin0

Caros amigos, e amantes do mar e da história.

Cumprimento o novo Comodoro e sua equipe e incentivado por Sissi e Guilherme Winter, ofereço algumas histórias no sentido de colaborar com bons debates, e de relembrar os antigos feitos.

 Vou começar com Bartolomeu Dias, porque dia 3 de fevereiro 2021, completou 534 anos da primeira passagem pelo Cabo das Tormentas, onde o Atlântico e o Índico, se encontram no extremo sul da África.

Não é um artigo científico, acadêmico.  É uma conversa de pérgula de clube, completamente memorialista, mas com possibilidades interessantes pelo entrelaçamento das “informações”.

Perdida Constantinopla para o turco Mohamed (que tinha apenas 19 anos) em 1453, Portugal se viu na situação de pagar altos tributos pelos produtos vindos do Oriente. A segunda opção seria os terríveis mercenários de Veneza e Gênova, donos do mediterrâneo, que onerava igualmente as especiarias.

Muito antes, desde D. João de Avis, quando se derrubou a dinastia dos Borgonhas, foi pensado uma alternativa pelo “mar de fora”. Ele foi coroado apoiado pela burguesia comercial e, portanto, D João ofereceu, para se manter no poder – grandes prioridades as ideias “mirabolantes” de um caminho para as índias, contornando a África, sonho dos comerciantes já antes das ameaças otomanas no oriente.

 Deu-se a partida para o chamado” Périplo Africano” uma ação de “estado”, que previa essa continuidade sob qualquer reinado. E foi assim que surgiram nomes como Gil Eannes, Diogo Cão e tantos outros.

 Nessa descida da costa ocidental da África, sob D. João II, foram se estabelecendo postos avançados os ”padrões” portugueses. Fundou-se a fortaleza de São Jorge da Mina, com um grande e rentável mercado de escravizados que contribuiu na continuidade do périplo.

A meta estabelecida era de, pelo menos, 100 léguas por ano em direção ao sul.

 O primeiro a descer foi Gil Eannes, que dobrou o Bojador, acabando com crença de que, quem passa o Bojador, jamais regressaria devido ao regime de ventos e os perigosos baixios do golfo da Guiné.

 Em seguida, Diogo Cão que depois de duas viagens de sucesso, já utilizando conhecimentos anteriores, deu o veredito de que havia chegado ao “fim da África”, o que lhe rendeu grandes honrarias (e que justificava o mapa de Ptolomeu, onde mostra o Atlântico como um oceano fechado ao sul).

 Diogo Cão trazia também a lenda do Reino de Prestes João, o reino do ouro – que se acreditava ficar nos confins do deserto da Namíbia, jamais encontrado, mas sempre perseguido por todos os exploradores e religiosos de então.

Bartolomeu Dias, um marinheiro experiente que havia sido funcionário da Casa da Mina, em Lisboa, depois na própria fortaleza, nos transportes de escravizados africanos e pelos bons serviços, foi elevado a escudeiro de D. JoãoII e, pela absoluta confiança adquirida, foi enviado ao sul, a conferir as informações de Diogo Cão.

Bartolomeu desceu com três embarcações já surradas, até encontrar o último ponto demarcado por Diogo, (parece ser o Cabo Cruz, na Namíbia) mas, sabia que não era o fim. Lá estava o horizonte infinito a encontrar o céu e desafiando-o a prosseguir.

Tomou o rumo sul como se soubesse “algo”, pois mantinha os mais diferentes contatos com os mais diferentes navegadores, tinha muitas informações dos tempos que serviu na Mina. (Ali conheceu Cristóvão Colombo, Francisco Pinzon, e outros)

 Um parêntese, só para ilustrar –

Especula-se, não sei se em João de Barros, (O cronista português) de que Bartolomeu teria viajado sob sigilo do rei em outras ocasiões, para missões de entregas no Brasil alguns anos antes do descobrimento.

 A tese é a seguinte: Com o advento do Tratado de Tordesilhas (1494), dois pontos seriam estratégicos para Portugal. Ao norte, a linha entrava pelas “Terras do Grão Pará, (onde foi mandada a expedição de Duarte Pacheco Pereira, em 1498, sob D. Manoel I) – e, no limite sul, (ou o ponto de saída da linha de Tordesilhas), mais ou menos na localidade hoje conhecida como Cananéia.  Assim o rei vigiava as duas fronteiras com a Espanha, ao norte e ao sul.

Sustentam essa tese vários estudiosos (Jaime Cortezão, inclusive), de que – Bartolomeu teria sido enviado secretamente para levar o “feitor” para esse ponto meridional, (sul) o Bacharel, um serventuário da Fortaleza da Mina, que, realmente foi encontrado aqui, por Martim Affonso de Souza em 1532, registrado no diário de bordo por Pero Lopes de Souza irmão de Martin Affonso. Esse senhor afirmava que já estava instalado aqui há mais de 30 anos – e realmente tinha prole numerosa, muitas esposas e filhos já adultos e era o grande chefe de mais de 2.000 índios.

A questão é que Cabral deixou apenas dois degredados em Cabo Frio, com nomes e sobrenomes conhecidos, e levados de volta por Américo Vespúcio em 1502 -03. E não houve outras viagens ao Brasil, por longos anos.

A segunda questão é que existia registro na Mina de um tal “Bacharel” e como Bartolomeu era navegante secreto a serviço do Rei… Tudo pode se encaixar.

É atribuído também a Bartolomeu Dias outras viagens secretas, pois seria de vital importância na eterna luta de gato e rato com a Espanha que, nessa altura, estava ocupadíssima com a expulsão dos mouros, de Granada, último reduto muçulmano na península.

Apesar dessas guerras, a Espanha tb fazia suas viagens secretas e em janeiro de 1500, Pinzon estava no Mucuripe, combatendo nossos índios – e em seguida, descobrindo e adentrando o Rio Amazonas. Relata, com textos maravilhosos sobre sua largura e sua pororoca –  resultando num grande processo, pois isso dava o direito de posse do Brasil, aos espanhóis.

Continuando a história do périplo, Bartolomeu com seus navios maltratados pelas ondas bravias, sem possibilidades de manobrar as velas no vento inclemente e nas ondas altíssimas, manteve o rumo sul, quase capeando, até que, numa brecha do tempo, cambou para leste, rumo ao continente, com sua tripulação em péssimo estado e na esperança de encontrar a costa. Seguiu por vários dias, mas sem nenhum sinal de terra.

Com poucos víveres, rumou para o norte, avistando depois de muito navegar, a terra, em Bay Mosel, já no Índico. Percebeu a terra firme a oeste, daí sabia que durante os dez dias de tempestades, havia cruzado o desconhecido cabo.

Foi assim, que em 1487-88, Bartolomeu, no final da resistência de seus homens, conquistou a glória de fechar o périplo, achando a tão desejada passagem ao sul.

Queria continuar até a Índia pois o pior já havia passado, mas forçado pela tripulação, retornou, e só na volta, ainda debaixo de tempo muito ruim, pode divisar o promontório do Cabo, o gigante Adamastor de Camões e Fernando Pessoa.

Ao apresentar o seu feito, teve pequenos reconhecimentos pois não era nobre, não era fidalgo, como se dizia, e foi logo designado a preparar a expedição de Vasco da Gama, que – agora sim, com a informação certa da passagem do sul. Também preparou as 13 naves de Cabral, Junto ao seu bem humorado irmão, o “gaiteiro”, malabarista dos mastros, Diogo Dias, que seguiriam pela grande volta do mar, no Atlântico. Mas seu destino estava traçado…  

…Continua … no próximo mês.